INTRODUÇÃO
A cavidade oral é um importante local de ocorrência de tumores
malignos. Em 1996, o Ministério da Saúde relatou que o
câncer bucal está entre os dez tumores mais freqüentes.
O tratamento das neoplasias malignas é realizado
principalmente por meio da cirurgia, que é o tratamento de escolha,
associada à radioterapia e quimioterapia. Em alguns casos somente a
radioterapia é indicada como tratamento.
As complicações bucais são comuns, em
pacientes com neoplasias na região de cabeça e pescoço, em
decorrência do tratamento radioterápico. As principais
alterações são xerostomia, mucosite, cárie de
radiação, osteradionecrose, trismo e desenvolvimento
dentário anormal.
Sendo assim, o cirurgião dentista deve compor a equipe
multidisciplinar no atendimento de paciente com câncer bucal, visando
minimizar os efeitos estomatológicos causados pela terapia
radioterápica.
REVISÃO DA LITERATURA
XEROSTOMIA
Durante o tratamento do câncer de cabeça e
pescoço, através da radioterapia, as glândulas salivares
estão usualmente dentro da zona de irradiação, provocando
alterações morfofisiológicas das mesmas com
conseqüente diminuição do fluxo salivar (Matos et al,
1994-1995).
Quando as glândulas salivares maiores são afetadas
pela radiação, o fluxo salivar pode diminuir em até 90%
(Antônio et al, 2001; Lopes et al, 1998).
Em relação aos sintomas, Herrera et al e
Sreebny et al apud Matos et al, 1994-1995, relatam que os
pacientes xerostômicos geralmente se queixam de uma
sensação de queimação dolorosa na boca, dificuldade
de deglutir alimentos secos, dificuldade de falar, diminuição do
paladar, aumento do consumo de líquidos, úlceras dolorosas e
aumento de lesões cariosas.
A lubrificação insuficiente favorece o
aparecimento de lesões na mucosa. Na maioria das vezes, as
ulcerações que exibem um quadro generalizado de estomatite
acompanhado de intensa sintomatologia dolorosa, sensação de ardor
e perda do paladar (Araújo & Araújo apud Garone Netto &
Biagioni, 1990).
Para reduzir o desconforto ocasionado pela xerostomia pode ser
utilizada saliva artificial, a qual deve ter características semelhantes
à saliva natural. Os pacientes também devem ser orientados para
consumir maior quantidade de água (Lopes et al, 1990).
Após o tratamento radioterápico ocorre uma
redução progressiva do quadro de xerostomia (Matos et al,
1994-1995).
MUCOSITE
A sensibilidade da célula à radioterapia depende
do estágio do ciclo celular. As células epiteliais da mucosa
bucal se dividem rapidamente, tendo assim, baixa resistência à
radiação.
O tratamento radioterápico desorganiza a estrutura
celular doente bem como as estruturas adjacentes sadias causando em toda mucosa
oral alterações que variam desde áreas eritematosas,
até alterações recobertas por membranas
fibrino-purulentas, que são vias potenciais para infecção
(Blozis apud Lopes et al, 1998).
A mucosite geralmente se desenvolve a partir da segunda semana
do início da terapia, com doses de 2500 a 3000 rads toda a mucosa pode
estar envolvida (Antônio et al, 2001).
A mucosite que ocorre durante a radiação
terapêutica é difícil de prevenir.
O tratamento é principalmente paliativo e consiste no uso
de analgésicos tópicos ou sistêmicos, dependendo da
severidade (Whitmyer apud Lopes,1998).
O uso do laser terapêutico está indicado nesses
casos, com ação analgésica, antiinflamatória e de
reparação tecidual (Lima, 2001).
A regeneração da mucosa bucal submetida à
radiação ionizante se completa entre 30 a 90 dias após o
término da radioterapia (Boraks et al, 2000).
CÁRIE DE RADIAÇÃO
A radioterapia provoca uma mudança na microbiota bucal
onde a placa bacteriana torna-se altamente acidogênica, com um aumento
progressivo de S. mutans, lactobacillus e candida na
cavidade oral decorrente de tal modalidade terapêutica.
A saliva é de fundamental importância para a
manutenção dos tecidos bucais e deste modo, pacientes com
acentuada queda do fluxo salivar, decorrente da radioterapia, tendem a
desenvolver, dentre outras alterações uma alta atividade de
cárie (Matos et al, 1994-1995).
A cárie de radiação desenvolve-se
freqüentemente no terço cervical, iniciando-se pela face vestibular
e posteriormente pela lingual progredindo ao redor do dente, como uma
lesão anelar, que pode levar à amputação da coroa
(Garone Netto & Biagioni, 1990).
A cárie de radiação se desenvolve de
maneira lenta e sem sintomatologia dolorosa e pode surgir até
após 1 ano da terapia.
A radioterapia também tem efeito direto sobre os
odontoblastos, diminuindo a capacidade de produção de dentina
reacional.
O tratamento mais eficaz nesses casos é a
prevenção. Assim o paciente deve ser orientado quanto à
higiene bucal, restrição de açúcares na dieta, uso
de saliva artificial ou goma de mascar para estimular a secreção
salivar, aplicação tópica de flúor ou bochechos com
soluções remineralizadoras (Katz, 1982 apud Garone Netto &
Biagioni, 1990).
Outra opção é a aplicação do
Diamino Fluoreto de Prata a 10%, que no nicho da placa dental inibe a
formação de cárie de radiação, sendo um meio
eficaz de prevenção (Almeida et al,1993).
OSTEORADIONECROSE
A radioterapia provoca uma redução da atividade
dos osteoblastos e alteração nos vasos sanguíneos,
tornando o osso menos irrigado e conseqüentemente, mais vulnerável
à infecção e com menor capacidade de
reparação (Whitmyer apud Lopes et al, 1998).
As exodontias prévias ao tratamento radioterápico
devem ser realizadas, esperando-se pela reunião epitelial da mucosa (7 a
14 dias) para somente depois encaminhar o paciente para
realização de tal terapia (Souza & Barbosa, 1991).
A patogênese da osteoradionecrose não é
inteiramente conhecida, mas geralmente aceita-se que há 3 fatores
envolvidos no seu aparecimento: radiação, trauma e
infecção (Maia et al, 1997).
A mandíbula é a mais comumente envolvida devido
à maior densidade do osso (Lopes et al, 1998; Maia et al,
1997).
As osteoradionecroses trauma-induzidas, originárias em
períodos mais tardios e desencadeadas principalmente por procedimentos
odontológicos podem e devem ser evitadas por meio de uma
avaliação odontológica anterior à radioterapia.
Essa avaliação deve ser ampla e complexa no que diz respeito
às condições dentárias, socioeconômicas e
culturais do paciente, ao prognóstico e planejamento do caso, a conduta
odontológica anterior à radioterapia (Parise, 2000).
Os fatores predisponentes são: doença periodontal,
cárie em atividade, higiene oral deficiente, extração
pré, trans e pós-radioterapia , álcool e tabaco.
O aspecto mais importante em relação a
osteoradionecrose é a prevenção, já que após
instalação desse quadro o tratamento é muito mais
difícil (Németh et al, 2000).
Os pacientes são mais vulneráveis a
osteoradionecrose dos maxilares nos dois primeiros anos após a
radioterapia (Maia et al, 1997).
Os pacientes desdentados e portadores de próteses totais
devem ser instruídos a não usar as próteses durante a
radioterapia, aproximadamente 2 meses após o término do
tratamento, novas próteses devem ser confeccionadas (Lopes et al,
1998).
O tratamento da osteoradionecrose pode ser radical, com
remoção cirúrgica de necrose óssea, resultando em
perda substancial da função e da estética, ou conservador
quando é indicada solução de iodeto de sódio a 2% e
água oxigenada 10 volumes em partes iguais promovendo assim o
seqüestro da porção necrosada (Souza & Barbosa,
1991).
TRISMO
Durante a radioterapia, a ATM e os músculos da
mastigação ficam expostos ao feixe primário da
radiação de região de cabeça e pescoço e
sofrem fibrose gradual.
O trismo normalmente está associado com câncer de
área retromolar e palato mole. O primeiro sinal de trismo relatado pelo
paciente é a contração dos músculos
mastigatórios. A abertura da boca fica dificultada por longo
período e pode complicar a higiene bucal e os procedimentos
dentários.
Pacientes com trismo devem ser orientados para a
realização de exercícios de fisioterapia para auxiliar a
eliminação de fibrose excessiva. Em alguns casos o uso de
relaxantes musculares também pode ser útil (Souza & Barbosa,
1991).
DESENVOLVIMENTO DENTÁRIO ANORMAL
As modificações que podem ocorrer no
desenvolvimento dental são conseqüências dos casos de
tratamento radioterápico na infância.
Segundo Burke & Frame apud Garone Netto & Biagioni, a
radioterapia reduz durante o desenvolvimento dental a atividade dos
ameloblastos e atrasa a diferenciação de novos ameloblastos. Isto
faz com que ocorra alteração no desenvolvimento tanto da coroa
quanto da raiz.
Clinicamente pode-se observar: dilaceração apical
da raiz, hipoplasia de esmalte, inibição do crescimento do dente
permanente por completo ou somente da raiz, erupção prematura dos
dentes permanentes, fechamento precoce dos ápices permanentes.
Os efeitos atingem somente os dentes da região na qual a
radioterapia foi direcionada e os que estão em desenvolvimento.
Além disso, tais conseqüências dependem ainda da dose de
radiação e da idade do paciente.
DISCUSSÃO
O câncer bucal compreende 3-5% dos neoplasmas malignos,
estando entre os dez tipos mais comuns de câncer. Os locais mais
acometidos são a língua e o lábio inferior (Line et
al, 1995).
A radioterapia é uma arma no tratamento loco-regional,
sendo os benefícios e efeitos colaterais inerentes às
áreas irradiadas (Antônio et al, 2001).
A sensibilidade das células a radioterapia depende do
estágio do ciclo celular na época da exposição.
Assim, as células são geralmente mais sensíveis a
radiação quando estão ativamente se dividindo.
Dependendo da absorção pelos tecidos, da
intensidade do tempo de exposição, as radiações
ionizantes podem retardar, paralisar o metabolismo celular ou mesmo destruir as
células vivas (Boraks et al, 2000).
Os efeitos adversos da radioterapia podem ser classificados como
agudos e tardios, de acordo com a época de sua ocorrência. Os
efeitos agudos do tratamento acometem os tecidos de alta taxa de
renovação celular, como por exemplo, a mucosa oral; já os
efeitos tardios ocorrem após meses ou anos do término das
sessões de radioterapia e acomete os tecidos de maior especificidade
(Antônio et al, 2001).
Nos tratamentos radioterápicos de cabeça e
pescoço a mucosite oral é uma alteração muito
freqüente.
Em geral a mucosite inicia seu aparecimento em torno da segunda
semana da radioterapia (Antônio et al, 2001).
As alterações que ocorrem na mucosa variam desde
áreas eritematosas, até ulcerações (Lopes et
al, 1998).
Independentemente de outras medidas, todos os pacientes que
vão submeter-se à radioterapia necessitam de exame bucal
prévio rigoroso, quer seja edentado, ou portador de dentes, assim como
avaliar o estado das próteses no sentido de saber se estas possam ser
fatores de injúria à mucosa e conseqüente mucosite, é
o que parece fundamental para tornar a radiomucosite mais branda (Boraks et
al, 2000).
Quanto à higiene oral são recomendados bochechos
com clorexidine a 0,12% após a técnica de escovação
correta. Estes procedimentos devem ser realizados a partir do primeiro dia de
tratamento radioterápico (Antônio et al, 2001).
A aplicação tópica de fluoreto de
sódio a 1% pode ser feita diariamente pelo próprio paciente.
Atualmente, está sendo utilizado também um gel de clorexidine a
1% indicado diariamente numa única aplicação. A
clorexidine inibe o crescimento de placa bacteriana por ser ativa contra o
S. mutans, controlando o surgimento de cáries (Garone Netto &
Biagioni, 1990).
A cárie por radiação envolve todo o dente
chegando na maioria das vezes a atingir os tecidos mais profundos; inicia-se
três a quatro meses após a radioterapia e pode apresentar total
destruição dos dentes, em dois anos (Almeida et al,
1993).
Por outro lado, a xerostomia facilita a
proliferação de Lactobacillus sp e dos S. mutans,
uma vez que esta impede a capacidade tampão da saliva. A dificuldade de
produção de saliva leva o paciente a uma mudança de
hábito alimentar, em geral utilizam-se de alimentos pastosos e ricos em
carboidratos. Por estes fatores este tipo de cárie preocupa, sendo
também extremamente agressiva e veloz (Antônio et al,
2001).
A osteoradionecrose é uma das seqüelas mais
preocupantes pela sua complexidade de tratamento.
A mandíbula, devido à maior densidade do osso, é a mais
comumente envolvida, e a manifestação ocorre geralmente dentro de
2 anos após a radioterapia (Lopes et al, 1998).
A osteoradionecrose pode predispor o paciente a um processo infeccioso
crônico ou agressivo, ou causar destruição do tecido por
necrose direta; porque altera os mecanismos de defesa da mucosa para impedir
infecção (Maia et al, 1997).
Diante da ocorrência desta indesejável seqüela o
tratamento mais recomendado é a oxigenação
hiperbárica (HBO), ou seja, emprego de oxigênio sob alta
pressão atmosférica. O oxigênio nestas
condições promove neovascularizações,
angiogênese, aumento da atividade celular, é bactericida, é
bacteriostático e aumenta a colagenase (Antônio et al,
2001).
A íntima cooperação entre o radioterapeuta e o dentista
é essencial para que o paciente receba os benefícios de
radioterapia sem sofrer com as sérias complicações e o
desconforto das seqüelas.
Uma avaliação do estado de saúde dental, antes do
tratamento radioterápico, faz parte dos procedimentos que podem ajudar a
evitar infecções, necrose e dor subseqüentes (Souza &
Barbosa, 1991).
Como procedimentos técnicos preventivos da área
odontológica devem ser removidos dentes com grandes
destruição por cárie, mobilidade por periodontopatias,
lesões periapicais inflamatórias, restaurações
duvidosas e cáries devem ser criteriosamente tratadas,
aplicação tópica de flúor e a
orientação de higiene oral juntamente com a profilaxia dental
devem ser realizadas neste momento (Antônio et al, 2001).
Além do sucesso dos regimes preventivos, a ausência de
cáries em indivíduos pós-irradiados deve-se em parte ao
monitoramento contínuo do cirurgião-dentista (Garone Netto &
Biagioni, 1990).
CONCLUSÃO
A radioterapia é uma modalidade terapêutica que
visa erradicar os tumores malignos, entretanto, provoca efeitos colaterais
importantes que devem ser do conhecimento do cirurgião dentista.
A estabilização da doença bucal deve ser
realizada antes do tratamento radioterápico.
As medidas preventivas devem incluir confecção de
próteses radíferas, instrução de higiene oral,
extrações prévias, aplicação de
flúor.
O acompanhamento dos pacientes irradiados durante o tratamento,
pelo cirurgião dentista minimiza o risco de aparecimento das
complicações bucais.
Após o término da terapia oncológica deve-se realizar a
proservação do paciente por no mínimo um ano, já
que efeitos tardios podem ocorrer.
ABSTRACT
The present study subject is to emphasize possible oral
complications on radiotherapy treatment in the head and neck regions. Although
radiotherapy is supposed to erradicate tumor without damaging near tissues,
sometimes this does not happen, being the major problems related to the dosage
applied. Xerostomia, mucousitis, radiation cavity, osteoradionecrosis, trismus,
and abnormal teeth growth are some of the consequences of this therapeutic
modality. Previous evaluation of oral conditions and the accompaniment by the
surgeon dentist during oncologic treatment can minimize damages caused by
radiation to oral tissues. So, the conclusion is that radiotherapy is a
medical speciality used in the head and neck cancer treatment that could cause
relevant collateral effects in oral tissues, leading to the necessity of the
surgeon dentist acquire this knowledge to act in prevention and reduction of
such damages.
KEY WORDS: radiotherapy, oral cancer, oral complications
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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2000.