Sônia Maria Blauth de Slavutzky - Mestre em Educação e Comunicações - Universidade de Pittsburgh / Pennsyslvania, USA;
- Mestre em Odontologia Social pela UFRGS e Doutora em Odontologia social pela UFF.
As Restaurações Atraumáticas são conhecidas internacionalmente pela sua abreviatura em ingles (ART) Atraumatic Restorative Treatment. Foram recomendadas pela Organização Mundial da Saúde para tratamento da cárie dentária em locais onde não haviam consultórios dentários. A partir desta recomendação, no entanto, tem surgido outras possibilidades para sua utilização. Neste artigo apresenta-se uma revisão sobre seus usos e limitações na clínica odontológica e fora desta.
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Operador em oposição de trabalho, com iluminação
por lanterna.
Trabalho sendo realizado em uma sala de aula.
Introdução
As restaurações atraumáticas
foram definidas por Frencken (1994) como sendo restaurações feitas
sem a utilização de instrumentos rotatórios, sem anestesia
e nas quais as camadas mais profundas do tecido cariado são deixadas
sob o material restaurador. O material utilizado para restaurar este tipo de
cavidades é o ionômero de vidro. O ionômero apresenta um
bom selamento da cavidade e se adere ao esmalte e a dentina. Apresenta ainda,
biocompatibilidade com a polpa e dentina. As bases científicas para a
realização deste tipo de restaurações partiram dos
trabalhos sobre capeamento pulpar indireto de Aponte em 1966, de Sheiham e McDonald
em 1994, que por sua vez se utilizaram dos conhecimentos relatados por Hojo
e outros que estudaram o pH e o perfil ácido das lesões sob as
restaurações e descobriram que este era semelhante ao das lesões
crônicas. A técnica utiliza o conhecimento há muito observado
e praticado por cirurgiões dentistas do mundo inteiro, através
do capeamento pulpar indireto. (Fisher, 1972, King, 1965) Com o advento destes
novos materiais restauradores começaram a surgir possibilidades de uso
de uma tecnologia avançada e ao mesmo tempo apropriada (Nadanovsky, 1997)
As limitações do uso das restaurações atraumáticas
são basicamente devido ao maior desgaste superficial e a menor dureza
do material restaurador quando comparado com os materiais convencionais como
o amálgama e as resinas compostas. Poder-se-ia estrapolar a partir dos
resultados que vem sendo obtidos em muitos estudos de que o uso da broca e da
anestesia estariam com os dias contados, desde que a indústria de materiais
odontológicos resolvesse os dois problemas que tem restringido o uso
deste tipo de restaurações. A partir disto, teríamos então
aberta a possibilidade de emprego em muito maior escala destas restaurações
que além de serem menos dolorosas e menos traumáticas preservam
uma maior quantidade de tecido dentário. Esta preservação
se verifica devido ao maior controle do operador quando da remoção
da dentina cariada. Nada de tecido dentário são é removido
com o instrumento manual, o que, muitas vezes acontece quando o operador está
utilizando instrumentos rotatórios (Elderton, 1983) Esta vantagem, tem
entretanto uma desvantagem quando da abertura das cavidades onde há cárie
oculta, isto é, onde a camada superficial de esmalte está somente
com uma pequena abertura e não permite a passagem do instrumento manual.
A recomendação de Frencken nestes casos é a de que devem
ser utilizados recortadores de bordo ou machados para romper a camada de esmalte
socavado e permitir o acesso à dentina cariada subjacente. Este fator
tem sido uma restrição ao uso da técnica, pois é
cansativo e traumatizante para o operador. No trabalho de pesquisa que está
sendo realizado por um grupo de pesquisadores da UFRGS, da UERJ e da Universidade
de Londres está sendo proposta uma modificação da técnica
pela utilização da alta rotação somente para a abertura
da cavidade e somente para uso em esmalte. (Nadanovsky,1997 e Slavutzky, 1999)
A partir da divulgação do uso das
restaurações atraumáticas para locais onde não havia
consultório odontológico e a medida que estas se mostraram efetivas
para tratamento da cárie, surgiram outras possibilidades para sua utilização.
Dentre estas, seu uso em odontopediatria e em geriatria tem chamado a atenção,
pois são duas especialidades onde há em geral, maiores dificuldades
para o cirurgião dentista utilizar a anestesia e a broca, principalmente
em pacientes com pouca tolerância ao trabalho odontológico usual.
Indicações sociais
As indicações sociais para utilização
das Restaurações Atraumáticas continuam sendo as mesmas
feitas por Frencken, referendadas pela Organização Mundial da
Saúde, ou seja, para situações onde não existam
consultórios odontológicos e os cirurgiões dentistas não
tenham possibilidade de restaurar dentes cariados pelos meios habituais. Incluem-se
aí comunidades rurais e excluídos sociais. Existem também
situações onde pacientes vem a procura de atendimento e, devido
a dor e a impossibilidade de conseguir outro tipo de atendimento solicitam ao
cirurgião dentista a extração do dente. Nestes casos, muitos
cirurgiões dentistas se enfrentam com uma situação onde
sabem que a peça dentária poderia ser restaurada, mas que se for
deixada sem tratamento vai evoluir e invibializar o tratamento, pois este ao
ser mais complexo com o avanço da doença também exigirá
maior complexidade e custo para tratamento. Também nestes casos e, desde
que seja testada a vitalidade pulpar, pode-se recorrer ao uso das restaurações
atraumáticas. A utilização da técnica em escolas
da rede pública, mesmo nos grandes centros vem sendo, no entanto, uma
forma de proporcionar atendimento curativo para centenas de crianças
na própria escola. Esta técnica permite que a sala de aula se
transforme temporariamente num consultório odontológico e que
ali mesmo as crianças recebam atendimento. A grande vantagem deste procedimento
é que todas cáries em dentes temporários e permanentes
são tratadas, impedindo o desenvolvimento das lesões que de outra
forma teriam ficado sem atendimento. Dor e sofrimento são poupados a
muitas dessas crianças, além da adequação da cavidade
bucal que oportuniza uma diminuição da quantidade de bactérias
cariogênicas através da eliminação das cavidades.
Isto colabora para a existência de uma dentadura permanente mais saudável.
Deve-se salientar, entretanto que a cada programa curativo realizado na escola
devem corresponder igual número de programas educativos e preventivos.
Desta forma estarão sendo evitadas tanto a progressão da doença
atual como a aparição de novos casos.
Indicações Psicológicas
Apesar dos avanços da tecnologia ainda
existe um grande número de pessoas que, tendo ou não passados
por traumas no consultório odontológico não se deixam atender
pois não suportam o ruído da alta rotação, nem a
vibração do micromotor. Para este tipo de pacientes o uso das
restaurações atraumáticas é de muita importância.
No mesmo grupo de pacientes, ou em um grupo aparte estão aqueles que
temem a agulha ou a sensação da anestesia. A restauração
atraumática também nestes casos é providencial. A sua grande
limitação seria para os casos onde há reincidência
de cárie e há, portanto necessidade de remoção da
restauração anterior. Ressalta-se ainda os casos de pacientes
que não suportam o uso do isolamento absoluto por terem sensação
de muito desconforto. Dentro deste mesmo grupo poder-se-ia incluir o grupo de
pais que se sentem mal de ver os filhos pequenos submetidos ao uso do isolamento
absoluto, que embora dê ao profissional melhores condições
de trabalho, pode causar sensações desagradáveis ao paciente.
Neste grupo seria possível também incluir cirurgiões dentistas
que pensam que em muitos casos não se justifica o uso de isolamento absoluto
onde o tipo de tratamento não necessitaria de anestésico, mas
a colocação do grampo exigiria tal procedimento. Há ainda
cirurgiões dentistas que questionam o uso do isolamento absoluto devido
a dilaceração causada no tecido gengival quando da aplicação
do grampo.
Indicações Clínicas
As indicações clínicas se
referem a todos os casos onde se deseja preservar maior quantidade de tecido
dentário, seja esmalte, dentina ou cemento. Quando a remoção
do tecido cariado é feita manualmente, há menor possibilidade
de remoção de tecido dentário sadio junto com a remoção
de tecido cariado. A sensibilidade do operador está mais próxima
da lesão e a remoção de tecido sadio seria dificultada
com o instrumento manual exigindo maior força do operador para o corte
de tecido sadio somente com a colher de dentina. Uma segunda indicação
clinica seria a diminuição da dor durante o preparo cavitário.
Como a restauração atraumática permite que o tecido cariado
mais profundo permaneça, o limite da restauração é
aquele onde a maior quantidade possível de tecido cariado tenha sido
removida, mas também quando da sensação dolorosa referida
pelo paciente. Nestes casos, e, onde o cirurgião dentista ficou muito
em dúvida vale a mesma indicação de retorno do paciente
ao final de seis meses para que a restauração seja radiografada
a fim de controlar uma possível evolução da cárie.
Em todos casos recomenda-se avisar ao paciente a respeito da condição
e pedir que este retorne se tiver dor pós operatória. Seguindo
nesta mesma linha de raciocínio, pode-se prever que a dor pós
operatória também seja menor, pois na restauração
atraumática , menor quantidade de tecido dentário é removido.
Uma terceira indicação clínica
do uso das restaurações atraumáticas é em geriatria,
em diversas condições. Dentre as principais citamos as restaurações
de cáries de raíz, e em todas onde se deseja a preservação
de dentes enquanto se aguarda para realização de outros tratamentos
mais complexos. (Padilha) Uma outra indicação clínica seria
para aqueles casos onde não seja possível no momento, outro tipo
de restauração por falta de condições econômicas
do paciente, por impossibilidade do cirurgião dentista realizar outro
tipo de restauração, por dor, medo ou pela inexistência
das condições habituais de atendimento. Isto é para casos,
onde se não fosse tentada a restauração atraumática
o único tratamento seria a exodontia. Seria a tentativa de dar mais um
tempo até que as condições adversas do momento fossem mudadas.
Indicações Médicas
Sempre que haja contraindicações
médicas para o uso de anestesia devido a problemas de alergia, incompatibilidade
medicamentosa, ou outros. A restauração atraumática serve
de importante ferramenta para o cirurgião dentista solucionar o problema
de tratamento de cárie do paciente. Relacionada a esta indicação
médica também se encontram os casos onde deve-se diminuir o stress
do paciente frente ao atendimento odontológico. Nestes últimos
cita-se a atenção odontológica a todos pacientes acamados,
hospitalizados que estejam em momentos de vida de grande tensão onde
a anestesia ou a broca fossem "a gota dágua" para desencadear
uma crise de angústia ou de stress. As restaurações atraumáticas
também são de grande utilidade para pessoas que por uma ou outra
razão não podem ir até um consultório odontológico.
Os pacientes chamados especiais como os com síndrome de Down ou outras
seriam indicações médicas para o uso das restaurações
atraumáticas. Em muitos destes casos poderiam até eliminar a indicação
de anestesia geral para atendimento odontológico.
Preparação do local
Antes de iniciar o trabalho e, o local deve ser
preparado. Duas mesas escolares colocadas juntas servem para deitar o paciente.
Uma cadeira para o operador e uma para o auxiliar, mais uma mesa auxiliar são
os mínimo necessário. As mesas para o paciente ainda podem ser
bancos, como os de campanha. (Ver foto 1), ou como os bancos recomendados por
Frencken et al.. Deve haver ainda uma mesa para o material e instrumental de
suporte, um local para lavar e desinfetar o instrumental. No caso de estar-se
utilizando uma sala de aula, junta-se quatro mesas escolares para esta finalidade.
Providenciar também um local para o lixo, que não esteja a mão
para os pacientes, pois em geral, nas comunidades carentes as luvas de borracha
e as máscaras atiradas no lixo são coletadas para brincar.
O local deve abrigar os pacientes e os operadores
do frio e do calor excessivos. O controle da infecção deve ser
feito, tanto pela utilização de máscaras e luvas, quanto
pela manutenção de instrumentais e mesa de trabalho rigorosamente
limpos e organizados (foto 2) Uma cubeta com cidex e outra com álcool
devem estar à mão para que o material utilizado seja limpo com
álcool e imerso na cubeta com cidex ou similar. No caso de dois ou mais
operadores, devem haver pelo menos duas cubetas com cidex para que o tempo mínimo
de desinfecção seja atingido.
A posição de trabalho
mais utilizada é a das 12 horas, ou seja o operador atrás da cabeça
do paciente. Para outras posições há maior dificuldade,
pois o banco ou cadeira do operador não tem rodinhas para deslizar, bem
como o chão em geral nestes locais mais necessitados não seria
liso para o uso de bancos deslizando sobre rolimãs. A mesa auxiliar e
o assistente se posicionarão de forma a facilitar ao máximo o
trabalho do operador. (foto 1) Há muitos casos em que um auxiliar pode
trabalhar concomitantemente com dois operadores, isto é ficar entre duas
mesas operatórias.
Mesa de trabalho preparada, com instrumental esterilizado
Atendimento numa sala de aula de uma escola itinerante.
Características Clínicas
do Ionômero de Vidro
Dentre as características mais importantes
para a realização das restaurações atraumáticas
está a da adesão deste material ao esmalte e a dentina, de formas
a proporcionar um bom selamento marginal. A lenta e continuada liberação
de flúor tem sido responsável pela hipóteses de que esta
liberação de flúor seria responsável pela involução
da cárie e também pela sua remineralização. O ionômero
apresenta uma boa compatibilidade com a polpa e com a dentina.
Outras razões para utilização
de Restaurações Atraumáticas
O desenvolvimento de programas de Restaurações
Atraumáticas propicia o desenvolvimento do espírito de solidariedade
entre os alunos de Odontologia e serve para demonstrar aos alunos a possibilidade
de intervir para melhorar as condições de saúde bucal,
mesmo fora das condições usuais de tratamento. Esta experiência
proporciona ainda, aos alunos de odontologia uma integração com
a comunidade e lhes oferece meios de atuar mesmo frente a realidades adversas.
Referências Bibliográficas
1. Aponte, A - Indirect pulp capping:sucess verified.
J.Dent.Child., v.33p.164,1966
2. Elderton, R.J. (1983). Longitudinal study of
dental treatment in the General Dental Service in Scotland. Brit. Dent.
J; 155: 91- 6.
3. Fisher,F.-.- Efecto del CaOH- Br.Dent.J., v.133
p.19, 1972
4. Frencken, , J., Phantumvanit, P. & Pilot,
T. - Atraumatic restorative treatment, technique of dental caries. 2
ed., WHO Collaborating Centre for Oral Health Services Research -University
of Groningen, The Netherlands, 1994. 51p.
5. Frecken,Jo.,E; Christopher J. Holmgren, TRATAMENTO
RESTAURADOR ATRAUMÁYICO PARA CÁRIE DENTÁRIA Ed. Santos,
1ª ed.,106p.,2000 Tradução para o português.
6. Hojo, K. et al. J.Dent. Res., v.73,n.12, 1853-7, 1994
7. King,J.B. et al -Indirect pulp caping Oral
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8. McDonald and Sheiham - A clinical comparison
of non traumatic methods of treating dental caries. Int.Den.J., v. 44.p.4651994
9. Nadanovsky, Paulo - Restaurações
atraumáticas , uma técnica avançada e apropriada. Comunicação
oral feita na Fac. De Odontologia/UFRGS, 1997
10. Padilha, Dalva - Restaurações
Atraumáticas em Geriatria . Apresentação feita no Seminário
Internacional de ART realizado na Faculdade de Odontologia em Porto Alegre/UFRGS,
1999
Slavutzky, Sonia - Restaurações Atraumáticas
- usos na comunidade. Apresentação feita no Seminário Internacional
de ART realizado na Faculdade de Odontologia/UFRGS, 1999