Avaliação dos efeitos nocivos do fumo na osseointegração
Nelson J. Fernandes Graça - Especialista em Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo-Facial
- Coordenador do Curso de Cirurgia Oral da EAP-ABO, Niterói
- Mestrando de Odontologia Social, UFF
- Membro do Instituto Brasileiro de ImplantodontiaTereza Cristina Almeida Graça - Profa Assistente de Odontopediatria da UFF
- Profa de Pós-Graduação em Odontologia Social da UFF
- Doutoranda em Odontologia Social da UFF
O objetivo do presente trabalho foi avaliar o grau de interferência que a presença da fumo tem sobre a osseointegração do implante. Um levantamento na bibliografia mundial sobre o assunto demonstrou que os efeitos deletérios do tabaco existem e que há a necessidade de uma suspensão do seu uso antes e após a implantação endoóssea.
Sinopse
O objetivo do presente
trabalho foi avaliar o grau de interferência que a presença da fumo tem sobre
a osseointegração do implante. Um levantamento na bibliografia mundial sobre
o assunto demonstrou que os efeitos deletérios do tabaco existem e que há a
necessidade de uma suspensão do seu uso antes e após a implantação endoóssea.
Introdução
O fumo que é consumido, apesar
das campanhas anti-tabagismo, amplamente no nosso dia a dia tem ocupado um lugar
de destaque em pesquisas sobre o seu efeito nas atividades pulmonares e suas
lesões, câncer oral, doença periodontal e outras patologias, mas muito pouco
tem se estudado sobre o efeito que ele exerce sobre os implantes endoósseos.
No insucesso de um implante, quando avaliado somente por um prisma clínico,
buscam-se falhas na utilização da técnica operatória ou na execução das próteses
não se levando em consideração se o paciente é ou não um consumidor de tabaco.
Estatisticamente, o uso do tabaco leva a uma perda considerável de implantes,
que pode chegar ao dobro das ocorridas em pacientes não fumantes. Levando-se
em consideração os resultados obtidos nos estudos sobre enxertos, levantados
pela cirurgia plástica, os quais demonstram que os pacientes fumantes tinham
um grau maior de rejeição que os não fumantes, e os obtidos por Bain & Moy(2)e
pelo Dental Implant Clinical Research Group (8), que compararam os resultados
dos implantes em paciente fumantes e não fumantes, podemos afirmar, que apesar
da avaliação biológica e a determinação do mecanismo de perda do implante demandarem
mais pesquisas, a suspensão do ato de fumar por um determinado período de tempo,
torna-se biológicamente necessária para uma cicatrização e osseointegração mais
favoráveis.
Revisão Bibliográfica
Não existem mais dúvidas a respeito
dos efeitos deletérios do tabaco sobre a cavidade oral. O fumo tem sido associado
com o câncer oral, doença periodontal, leucoplasias, estomatites nicotínicas
e comprometimento do sangramento gengival (6, 11, 20, 28).
A destruição periodontal é resultado
da quebra do equilíbrio entre a bactéria e o mecanismo de defesa do hospedeiro.
Existe pouca evidência da ocorrência de uma micro-flora alterada nos fumantes(18,
23, 26) embora estudos tenham mostrado que fumantes apresentam mais placas bacterianas
que não fumantes (4, 12, 23). Neste sentido, a presença de maior quantidade
de placa bacteriana poderia ser um fator predisponente para a instalação e progresso
da doença periodontal. Segundo Silverstein(29) ,o hábito de fumar pode afetar
a resposta do hospedeiro à placa bacteriana, bem como ter efeito prejudicial
sobre a cicatrização. Este autor sugere que existe uma estreita ligação entre
a ação de três toxinas da fumaça do cigarro - nicotina, monóxido de carbono
e cianeto - e retardo na cicatrização.
A nicotina produz vasoconstrição
cutânea e interfere na morfologia da microcirculação , reduzindo a microperfusão
e gerando uma isquemia dos tecidos , a qual resulta muitas vezes em necrose
(17). O monóxido de carbono se combina de maneira reversível com a hemoglobina,
resultando na diminuição da quantidade de oxigênio por ela carreado, que resultará
em hipóxia ou anóxia nas células (19). O cianeto causa inibição dos sistemas
enzimáticos requeridos para a cicatrização de feridas. A combinação dessas ações
compromete as condições requeridas para uma cicatrização satisfatória.
Os estudos de Bergstrom, Eliasson
& Preber(4) e Preber & Bergstrom(21, 22) corroboram as conclusões de Silverstein(29),
pois nestes trabalhos os autores verificaram que fumantes com periodontite apresentaram
menos sangramento gengival do que não fumantes. Mais uma evidência sobre a diminuição
no sangramento pode ser notada através das observações clínicas de Meechan(15),
que relacionou o hábito de fumar com a presença insatisfatória de sangue alveolar
após extrações dentárias, além de maior incidência de dor no alvéolo. Os resultados
encontrados por Sweet & Butler(30) também indicam alterações vasculares resultantes
do tabagismo, com consequente aumento na incidência de alvéolo seco após exodontias.
Rundgren(27)e Daniell(7) afirmam
que o ato de fumar está associado a uma redução do conteúdo mineral dos ossos
do esqueleto.
Arno(1) determinou radiograficamente
que a perda óssea alveolar progredia com o aumento do consumo do tabaco. Feldeman(9)
também relatou perda óssea alveolar maior em fumantes quando comparados a não
fumantes. Preber & Bergstrom(22), através da sondagem de profundidade de bolsa
periodontal, constataram que após o tratamento cirúrgico ou não cirúrgico das
mesmas, a diminuição da profundidade era menor nos pacientes fumantes.
Sweet & Butler(30) relataram a
existência de uma cicatrização reduzida nos pacientes que faziam uso de tabaco
nas suas diferentes formas. Segundo Miller(16) e Rees(24) as alterações causadas
pelo fumo geram um grande número de rejeições de enxertos ósseos e de tecidos
moles.
Apesar do conhecido comprometimento
da microcirculação periférica que acomete indivíduos portadores de diabetes,
segundo Haber(11) , o efeito do fumo não pareceu ser mais nocivo neste grupo
Um estudo retrospectivo realizado
por Jones (13) mostrou que perdas de enxertos ósseos e implantes dentários estavam
associados ao tabagismo . Bain e Moy(2), analisando 2195 implantes de Branemark
ao longo de um período de 6 anos, concluíram que o percentual de fracasso dos
implantes em fumantes era significativamente mais elevado se comparados com
os não fumantes. .A pesquisa do Dental Implant Clinical Research Group (8) obteve
resultados muito claros em relação aos fracassos de implantes colocados, sendo
estatisticamente significativa as diferenças entre os grupos de fumantes e não
fumantes. Esta diferença mostrou-se, duas ou mais vezes superior àquela encontrada
em não fumantes. Esta pesquisa corrobora o trabalho de Bain & Moy (2), sendo
que estes autores identificaram mais insucessos na região maxilar posterior
, sendo mais favoráveis os implantes colocados na região mandibular anterior.
Estes resultados estão relacionados ao total da amostra analisada, sendo que,
exceto a região maxilar posterior, os insucessos da colocação de implantes em
fumantes mostrou-se significativamente mais alta do que em não fumantes nas
demais áreas.
Os efeitos do abandono
do tabagismo
A compreensão de que o hábito de
fumar é um risco significativo de periodontite, implica em que a cessação do
hábito deve ser benéfica. Embora não existam muitos estudos prospectivos e longitudinais
dos efeitos da suspensão do tabagismo sobre o estado periodontal, estudos realizados
por Haber & Kent(10), Haber et al(11), Bergstrom et al(4) e Bolin(5), incluíram
análises de ex-fumantes. Em cada um dos estudos a condição do ex-fumante era
intermediária em relação à do fumante atual. Dados baseados na sondagem de profundidade
de bolsa e na perda de aderência gengival indicaram que a prevalência da periodontite
foi reduzida em ex-fumantes, em comparação com fumantes atuais (10,11). Levantamento
radiográfico da perda óssea interproximal posterior mostrou que os ex-fumantes
apresentavam menor perda óssea que os fumantes atuais (3, 4). Os estudos forneceram
evidência de que a interrupção do tabagismo é benéfica. Clinicamente a suspensão
do uso do tabaco está associada a diversas mudanças do periodonto que demandam
tempo. Embora a presença de bolsas periodontais muitas vezes esteja presente,
a gengiva de um fumante em tratamento apresenta normalmente ao escovar um mínimo
de vermelhidão e sangramento, presumivelmente em função dos efeitos imunossupressivos
ou vasculares do hábito de fumar. Durante várias semanas após a cessação do
hábito, registra-se um período de vários meses em que ocorrem, durante a escovação,
sangramento da gengiva, provavelmente por causa da recuperação da resposta inflamatória.
Esta é uma época difícil para os pacientes que foram informados dos efeitos
benéficos da suspensão do cigarro, para depois se apanharem apresentando sinais
bastante marcantes de doença periodontal. Cerca de um ano após a interrupção
do tabagismo, a gengiva perde a aparência fibrótica e espessada e assume uma
anatomia normal. A essa altura, o estado periodontal parece estabilizar-se e
para a maioria dos pacientes a perda de aderência cessa ou se reduz drasticamente.
Assim sendo, torna-se necessária
a suspensão do fumo para favorecer a cicatrização tecidual antes de intervenções
cirúrgicas. Webster et al(31) sugerem que o paciente deva parar de fumar algumas
semanas antes e duas semanas depois de uma cirurgia plástica. Kaye(14) sugere
duas semanas antes e uma após para o mesmo procedimento, mas Riefkohl et al(25)
sugerem a suspensão do fumo na véspera e por cinco dias depois da cirurgia.
É fato que estas condutas são dirigidas para cirurgias em tecidos moles e que
para os procedimentos ósseos esses prazos devem ser dilatados. Bain & Moy (2)
, sugerem que o uso do tabaco seja suspenso uma semana antes e por dois meses
após a colocação dos implantes endósseos quando estaríamos na fase osteoblástica
e a osseointegração ocorreria mais facilmente. Para o paciente esta conduta
pode parecer irreal mas biologicamente ela se faz necessária.
Os mecanismos pelo qual o fumo
influencia negativamente a saúde periodontal ainda permanece desconhecido apesar
dos efeitos destrutivos do mesmo serem inegáveis. Da mesma forma, o mecanismo
exato pelo qual o tabagismo promove o fracasso do implante, também demanda mais
pesquisa.
Conclusão
O trabalho mostra que o tabagismo
é um fator relevante com relação ao insucesso dos implantes endoósseos. Ainda
que o mecanismo exato de ação do tabaco sobre a integração do implantes não
esteja totalmente elucidado, os resultados demonstram um índice estatisticamente
significativo de fracassos em pacientes que fumam. Estes fracassos podem significar
duas vezes mais perdas da implantação à habilitação em pacientes com história
de tabagismo quando comparados com os não fumantes.
Os dentistas devem alertar aos
pacientes em potencial para a colocação de implantes, que o hábito de fumar
pode ter um efeito prejudicial sobre esta terapia.. Deve ser explicada a necessidade
da interrupção do fumo uma semana antes da cirurgia e da manutenção dessa parada
por mais dois meses após a cirurgia, pois quanto menores forem as variantes
de falhas , melhores serão os resultados .Uma declaração relativa aos possíveis
efeitos adversos do tabaco sobre os implantes dentais deve ser incluída nos
formulários de autorização cirúrgica.
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