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Ação do flúor na placa bacteriana - Uma revisão
Arnaldo de França Caldas
Junior - Professor Adjunto - Doutor dos Cursos
de Mestrado e Doutorado em OPS da FOP/UPe - Pós-Doutorado
em Saúde Pública - Inglaterra
Enídice Walter Caldas - Professora Adjunta
da Disciplina de Odontologia Preventiva e Social -
Coordenadora do Doutorado em Odontologia Preventiva e Social
Faculdade de Odontologia de Pernambuco - FOP/UPE
José Guilherme Pompeu - Aluno do Curso de
Doutorado em Odontologia Preventiva e Social Faculdade de
Odontologia de Pernambuco - FOP/UPE
Os autores fazem uma revisão da literatura
atual sobre o mecanismo de ação dos fluoretos na placa
bacteriana e observam que sua ação preventiva não está
diretamente relacionada à concentração elevada.
INTRODUÇÃO
Pertencente à família dos
halogênios, o flúor é um metalóide monovalente, de peso
atômico 19, sendo encontrado sob a forma de um gás, levemente
amarelado ou amarelo-esverdeado, estando presente nos três
reinos da natureza. É evidente a sua presença nas águas do
mar, rios e lagos, nas carnes brancas, chás e outros
alimentos (03). Desta maneira o flúor chega até nós
por diferentes fontes.
O flúor vem sendo utilizado na
Odontologia por aproximadamente um século, contudo muito se
discute sobre seu mecanismo de atuação e formas de emprego nos
diversos níveis de risco de cárie que se conhece na
atualidade. Por muitos anos o efeito preventivo dos fluoretos
foram atribuídos à redução da solubilidade do esmalte,
resultante da incorporação do flúor na apatita
(11). Recentemente estudos mais detalhados vem sendo
realizados com o intuito de se determinar seu efeito frente à
placa bacteriana.
De acordo com BOWDEN, em
1990, para a placa bacteriana dental sobreviver, precisa ser
hábil para resistir à mudanças do meio ambiente. Estas
mudanças podem ser resultantes de diferenças no hospedeiro, ou
na função da bactéria dentro da comunidade. Ele menciona que
tem sido mostrado em muitas ocasiões que os fluoretos afetam a
fermentação dos carboidratos pelas bactérias. Quando
aumenta-se o nível de flúor, as bactérias morrem, sendo
evidente a dramática mudança no número e espécies de bactérias
da placa.
A sobrevivência da bactéria após a
exposição ao flúor, torna-se preocupante quando:
1) Todos os tipos bacterianos não forem
afetados pelo flúor; 2) Houver cepas
mutantes resistentes ao flúor, ou 3)
Houver adaptação das cepas para resistir ao flúor.
Como exemplo, tem-se as
Veillonellas que não são afetadas, mas os
Streptococcus podem sofrer mutações para o flúor, e
também adaptar-se fenotipicamente para aumentos acentuados na
quantidade de flúor no meio bucal. Mesmo assim, apesar de
existirem cepas resistentes, o metabolismo de carboidratos
fica reduzido, diminuindo assim o risco de cárie, e
estabilizando o ecossistema.
Neste mesmo ano, GEDDES,
BOWEN, afirmaram em seu trabalho que em nível subletal na
placa, a concentração de flúor altera não somente o
metabolismo das bactérias, promovendo assim uma redução na
acidogenicidade, mas também, altera a produção de
polissacarídeos extra-celulares insolúveis, reduzindo a
aderência bacteriana à placa. Concluem o estudo mostrando que
as modificações que os fluoretos ocasionam no meio bucal, são
mais visíveis à nível de placa bacteriana, pois sua
concentração neste sítio é de 50 a 100 vezes maior do que na
saliva.
Em seu trabalho no ano de 1990,
HAMILTON alertou que os fluoretos muitas vezes não
promovem a morte bacteriana, porém este fato não é suficiente
para torná-lo ineficaz à prevenção da cárie. Relatou que o
flúor em pequenas concentrações (< 1µmol/L) seria
suficiente para reduzir o metabolismo bacteriano e
consequentemente, tornar o meio menos ácido.
Ainda no ano de 1990,
MARQUIS mostrou que em concentrações abaixo de 1 ppm
(50µmol/L), os fluoretos inibem a produção ácida pela bactéria
da placa e pode atuar também no aumento da resistência do
esmalte aos ácidos e aumentar a remineralização do
esmalte.
Seguindo a mesma linha de
pesquisa, MARSH, BRADSHAW, em 1990, mostraram que além
da redução do metabolismo bacteriano, um nível baixo de
fluoreto de sódio (1 mmol/L; 19 ppm) seria suficiente para
reduzir o transporte de açúcar, atividade glicolítica e
tolerância ácida de muitas espécimes gram-positivas,
aumentando o pH do meio.
Fazendo um relato ainda no ano de
1990, ROBINSON, CUTRESS, observaram em seu estudo que o
flúor na placa poderá ficar na forma concentrada, livre ou
associado a algum componente lábil, e que sua ação dependerá
também deste fator.
Verificando o efeito da utilização
de aplicações tópicas de flúor e da irradiação laser sobre a
absorção de flúor pelo esmalte e sua resistência ao ataque
ácido, através de análise química e microscopia eletrônica,
TAGOMORI, MORIOKA, em 1990 obtiveram como resultado,
que a aplicação tópica de flúor fosfato acidulado depois da
aplicação do laser, produziu as mais altas concentrações de
flúor no esmalte, junto com um aumento nos piques de cálcio e
fósforo, indicando uma concentração mais alta de fluoreto de
cálcio incorporado ao esmalte.
TATEVOSSIAN, demonstrou em 1990, que a concentração de
flúor na placa não é igual para todas as regiões da cavidade
bucal, desta maneira, seu efeito irá ser também diferente.
Mostrou ainda que a presença do flúor na placa pode aumentar o
pH, porém a magnitude e duração dos efeitos inibitórios na
placa acidogênica dependerá da concentração e tempo que o
fluoreto ficar retido nela. Ressaltou ainda que segundo
OPPERMANN, JOHANSEN, 1980, o fluoreto
estanhoso é mais eficaz que o fluoreto de sódio, provavelmente
por causa do efeito inibitório adicional do
estanho.
Estudando quantitativamente o
efeito do flúor sobre a placa dental, GONÇALVES, UZEDA,
FEITOSA, em 1993, observaram que após três meses de
escovação dental com dentifrícios contendo 946 e 1154,3 ppm de
flúor não revelaram redução significativa de Streptococcus
mutans, independente de acréscimo ou não de sacarose à
dieta. O mesmo não aconteceu com os Lactobacilos, que
mantendo-se o flúor e aumentando-se a sacarose, houve aumento
significativo nos níveis salivares. Concluem o trabalho
relatando que ao final do experimento, houve redução da
quantidade de placa que associaram à melhoria do padrão de
escovação.
A eficácia terapêutica do flúor
sobre a placa bacteriana, segundo BOWEN, TABAK,1995
dependerá da capacidade de atingir o local de ação. Relatam
que o fluoreto se acumula na placa, em grande parte, ligado ao
cálcio, principalmente quando usa-se fluoreto com baixo pH, e
outra parte estará presente na porção livre da placa (fluido
da placa). Ao sofrer um ataque ácido, o fluoreto de cálcio
será liberado para a porção livre da placa.
DISCUSSÃO
Como pôde ser visto na literatura,
as pesquisas atuais estão muito voltadas para a atuação dos
fluoretos no meio bucal, especificamente na placa bacteriana.
Este fato pode ser observado também para a pesquisa de outros
produtos que sirvam como coadjuvantes dos métodos mecânicos,
de eficiência já comprovada, para o controle da placa
bacteriana. Segundo autores como LOESCH (1993) qualquer
agente terapêutico recomendado para uso em Odontologia, deve
possuir atividade antimicrobiana sobre S. mutans e
Lactobacilos "in vivo". De acordo com esta
observação teríamos que aumentar a concentração do fluoreto
disponível para que houvesse esta atividade. Porém este fato
per sí não garantiria a efetividade do flúor frente à
microbiota da placa, de acordo com as observações de autores
como BOWDEN (1990).
O que se busca na atualidade é um
agente que seja terapêutico, em concentrações mínimas,
principalmente quando o objetivo a ser logrado é a prevenção
da cárie dentária em crianças.
As pesquisas mostraram claramente
que os fluoretos presentes na cavidade bucal, em pequenas
quantidades diárias , são suficientes para reduzir o
metabolismo bacteriano e tornar o meio bucal menos ácido
(07, 09) . Além disso, podemos também contar
com outra ação dos fluoretos sobre a placa que em nível de
concentração baixa (19 ppm) seria suficiente para reduzir o
transporte de açúcar, a atividade glicolítica e a tolerância
ácida de muitas espécimes gram-positivas (10), bem
como interferir no crescimento bacteriano através da
diminuição da produção de polissacarídeos extracelulares
(05).
CONCLUSÕES
Tomando como base as afirmações
colhidas e a análise realizada da opinião dos autores
consultados, podemos concluir que:
01. Os fluoretos
presentes na placa bacteriana em pequenas concentrações
diárias desempenham atividade terapêutica;
02. Em baixa concentração o fluoreto aumenta o
pH da placa pela inibição da produção de ácidos pelas
bactérias;
03. A sua presença interfere também na aderência
microbiana ao esmalte dentário, e
04. Mediante os mecanismos de ação observados,
não se justifica a não manutenção diária mínima de fluoretos
na cavidade bucal, levando-se em consideração o risco de cárie
do paciente e/ou comunidade a ser assistida.
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
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microbial ecology of dental plaque. J. Dent. Res. v. 69,
p.653-59. 1990.
02. BOWEN, W.H., TABAK, L.A. Cariologia para a
década de 90. Santos. p.409-20. 1995.
03. CAVALCANTI, M.L. Flúor e Conceitos Básicos de Higiene
Oral na Odontologia Preventiva. Edicon, v.2, p.17-20.
1988.
04. GEDDES, D.A.M., BOWDEN, G.H.W. Fluoride in
saliva and dental plaque. J. Dent. Res. v.69, p. 637.
1990.
05. GODOY, Andréa Maria Lima de, OLIVEIRA,
Rosinéa Ferreira de, OLIVEIRA, Silvana Vieira.
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Curso Apresentado à Faculdade de Odontologia de Pernambuco.
1993. 60 p.
06. GONÇALVES, B.C., UZEDA, M., FEITOSA, A.
Avaliação de dentifrícios com xilitol e/ou flúor. RGO, v.41,
n.5, p.267-70. 1993.
07. HAMILTON, I.R. Biochemical effects of fluoride on
oral bacteria. J. Dent. Res. v.69, p. 660-67. 1990.
08. LOESCH, W.J. Cárie dental - Uma infecção tratável.
Rio de Janeiro,Cultura Médica, 1993. 349 p.
09. MARQUIS, R.E. Diminished acid tolerance of plaque
bacteria caused by fluoride. J. Dent. Res. v.69, p. 672-75.
1990.
10. MARSH P.D., BRADSHAW, D.J. The effect of
fluoride on the stability of oral bacterial communities in
vitro. J. Dent. Res. v.69, p. 668-71. 1990.
11. OSTROM, C.A. Fluoretos em Odontologia. In:
MENAKER, L. Cáries Dentárias - Bases Biológicas. Rio de
Janeiro, Guanabara, p.340-96. 1980.
12. ROBINSON, C., CUTRESS, T.W. Fluoride and
calcified tissue mineralization. J. Dent. Res. v.69, p. 684.
1990.
13. TATEVOSSIAN, A. Fluoride in dental plaque and its
effects. J. Dent. Res. v.69, p. 645-52. 1990.
14. TOGOMORI, S., MORIOKA, T. Efeito da
combinação de raios laser e flúor sobre a resistência do
esmalte humano ao ataque ácido. RGO, v.39, n.1, 1991.[Combined
effects os laser and fluoride on acid resistance of human
dental enamel]. Trad./Res. Milton F. Andrade Silva. Caries
Res., v.23, p. 225-31, 1989.
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