Síndrome da imunodeficiência adquirida. Manifestações orais e biossegurança no consultório odontológico.
Ana Cristina Lemos da Silva - Cirurgiã-dentista (ULBRA - Universidade Luterana do Brasil)
Antonieli Priebe Trevisan - Cirurgiã-Dentista formada pela ULBRA (Universidade Luterana do Brasil)
- Aluna do curso de Especialização em Periodontia na ULBRA. Marlise Teitelbaum Friedman - Profa. de Periodontia I e II, Clínica Integrada I e do curso de Especialização em Periodontia da ULBRA.
Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS) é uma infecção pelo vírus HIV, identificada em 1981. Manifestações orais podem ser de origem bacteriana, viral, fúngica, neoplásica ou desconhecida. Leucoplasia pilosa e candidíase oral podem ser os primeiros sinais da doença.
A biossegurança no consultório odontológico deve ser estrita, minimizando riscos de contaminação.
INTRODUÇÃO
A AIDS
(Síndrome da Imunodeficiência Adquirida) é uma doença contagiosa e letal, causada
pelo vírus HIV. É muito importante que se tenha o conhecimento dos sinais e
sintomas da doença. Diferentes lesões envolvendo cabeça e pescoço estão sendo
associadas à esta patologia e algumas manifestações orais são consideradas os
primeiros sinais e sintomas da doença.
Todos os
pacientes devem ser considerados de risco e é importante que se faça o controle
da AIDS através dos métodos de biossegurança e inativação do HIV.
MANIFESTAÇÕES
ORAIS DE DOENÇA INFECCIOSA RELACIONADA À AIDS
Manifestações
orais em indivíduos infectados pelo HIV são comuns e podem ocorrer como as infecções
por fungos, bactérias, vírus, neoplasmas ou manifestações de etiologia desconhecida.
Estas manifestações podem ser de extrema importância no diagnóstico precoce
da infecção por HIV (VANAKUL, POONPIPATGUL, REICHART, 1988).
Candidíase
oral tem sido a lesão oral mais comumente identificada. Leucoplasia oral tem
sido a segunda mais freqüente lesão. Outras manifestações orais freqüentes são
gengivite e periodontite associadas ao HIV. (GILLESPIE, MARINO, 1993).
Infecções
por Fungos
CANDIDÍASE
Segundo
MAGALHÃES et al (1993) a candidíase é uma infecção fúngica produzida
pelo Candida albicans que vive nas mucosas e só causa doença quando existem
condições que favoreçam o seu crescimento.
CATALDO
(1990) relata que a candidíase é a mais comum das infecções fúngicas que
afetam a boca. Afirma também que as lesões podem desenvolver-se em qualquer
superfície da mucosa e que em pacientes infectados pelo HIV, normalmente, apresentam
a lesão no palato duro e palato mole.
Segundo
SONIS, FAZIO, FANG (1985) a candidíase manifesta-se de muitas maneiras
podendo notar-se áreas brancas elevadas, coaguladas e que aparecem freqüentemente
agrupadas. A mucosa pode adquirir vários aspectos de acordo com o tipo: pseudomembranosa,
eritematosa ou hiperplásica.
Conforme
VAN DER WAAL, SCHULTEN, PINDBORG (1991) o tipo mais comumente encontrado
é o eritematoso, característico de pacientes portadores do HIV, caracterizado
clinicamente por uma coloração vermelha.
HISTOPLASMOSE
SONIS, FAZIO, FANG (1985)
relatam que a histoplasmose é uma micose profunda causada
pelo fungo Histoplasma capsulatum e que às vezes manifesta-se na cavidade oral.
As manifestações
orais são variadas e incluem ulcerações dolorosas, nódulos ou processos vegetativos.
As lesões são mais comuns na orofaringe, mucosa jugal, língua e palato e o aspecto
clínico é semelhante ao do carcinoma espinocelular.
Infecções
Bacterianas
GUNA
A GUNA (Gengivite
Ulcerativa Necrosante Aguda) é uma infecção bacteriana causada por um complexo
de fusoespiroquetas onde o mais associado à lesão é o Treponema vicentii.
A infecção
inicia nas papilas gengivais espalhando-se lateralmente à gengiva marginal (SONIS,
FAZIO, FANG, 1985).
WILLIAMS
et al (1990) complementam que a GUNA é uma rápida e progressiva infecção
que causa massiva destruição aos tecidos orais.
EPSTEIN,LEZIY,
RANSIER (1993) ainda afirmam que a rápida perda dos tecidos resulta na retração
gengival sem a concomitante formação de bolsa periodontal.
Segundo
GREENSPAN et al (1986) as lesões afetam mais comumente a gengiva anterior
de pacientes portadores do vírus HIV.
GENGIVITE
E PERIODONTITE ASSOCIADAS AO HIV
Os achados
periodontais em indivíduos infectados pelo HIV vão desde uma gengivite caracterizada
por uma faixa eritematosa até uma periodontite, freqüentemente localizada, destrutiva
e necrosante do periodonto de inserção. (MURRAY, 1994).
Em relação
à gengivite, MURRAY (1994) afirma que esta patologia caracteriza-se pela
presença de um eritema gengival desproporcional, que não desaparece completamente
após terapia de controle da placa bacteriana.
Além disso,
o referido autor salienta que a importância do correto diagnóstico se deve a
duas razões:
- primeiro
que esta lesão pode representar um dos primeiros sinais de infecção pelo HIV
- e porque
a gengivite associada ao HIV pode evoluir para uma periodontite associada ao
HIV resultando uma perda de tecidos do periodonto de proteção e inserção.
A periodontite
segundo MURRAY (1994) é caracterizada pela rápida, irregular e generalizada
destruição do periodonto de inserção e osso alveolar.
A doença
periodontal pode ser uma das primeiras apresentações clínicas de infecção por
HIV. Pacientes que apresentam doença periodontal agressiva devem ser investigados
por possível infecção por HIV (TENENBAUM, MOCK, SIMOR, 1991).
MYCOBACTERIUM
AVIUM INTRACELLULARE
De acordo
com GREENSPAN et al (1986), em pacientes com AIDS, infecção por Mycobacterium
avium intracellulare é relativamente comum, e clinicamente a resposta tecidual
pode incluir abcessos circundados por lesões granulomatosas. As lesões localizam-se
principalmente no palato e têm bordas firmes e/ou centro necrótico estendendo-se
até o osso.
Infecções
por Vírus
HERPES
SIMPLEX
SILVERMAN
JÚNIOR (1989) relata que o vírus Herpes simplex é comumente encontrado em
indivíduos infectados pelo HIV. As lesões geralmente recidivam com maior freqüência,
são maiores e muitas vezes aparecem como múltiplas lesões persistentes, respondendo
muito mal ao tratamento.
GREENSPAN
et al (1986) descrevem as lesões como vesículas que se rompem formando úlceras
irregulares, múltiplas e rasas, podendo ou não estarem associadas com eritemas.
O autor relata que o herpes recorrente pode ser desencadeado pelos raios solares,
infecções respiratórias, trauma, menstruação, stress emocional e imunodepressão.
Esta última é comum em pacientes portadores do vírus HIV.
VARICELLA
ZOSTER
As vesículas
epiteliais formadas pelo vírus Varicella zoster, são autolimitantes, dolorosas
e provocam pruridos formando, eventualmente, crostas que após se rompem (SILVERMAN
JÚNIOR, 1989).
Segundo
GREENSPAN et al (1986) as ulcerações estão presentes por duas a três
semanas, mas podem persistir por um a dois meses.
PAPILOMA
VÍRUS
As lesões
causadas pelo Papiloma vírus apresentam-se em forma de verrugas que podem ocorrer
em qualquer superfície da mucosa. (SILVERMAN JÚNIOR, 1989).
LEUCOPLASIA
PILOSA
Segundo
MANCA et al (1990) a leucoplasia pilosa é considerada um sinal precoce
da presença do vírus HIV.
MAGALHÃES
et al (1993) dizem que o quadro da leucoplasia pilosa pode ocorrer em qualquer
área da mucosa bucal e em sua grande maioria ocorrem em adultos homens e caracteriza-se
por placas esbranquiçadas, bem delimitadas, geralmente planas, de dimensões
variáveis, não infiltradas. Além disso, o autor descreve as placas como sendo
elevadas, de superfície irregular que não regridem espontaneamente.
MANIFESTAÇÕES
ORAIS DE NEOPLASIAS
SARCOMA
DE KAPOSI
Segundo
SILVERMAN JÚNIOR (1989) a doença maligna mais freqüentemente encontrada
em pacientes aidéticos é o sarcoma de Kaposi.
SCULLY
et al (1991) salientam que o descobrimento do sarcoma de Kaposi na boca
de pessoas que não estejam recebendo tratamento imunodepressor, é agora, sinal
patognomônico de AIDS. Os autores afirmam que o sarcoma de Kaposi está presente
no palato com maior freqüência e apresenta-se com coloração avermelhada, azulada
ou de nódulos roxos, podendo estar associado a ulcerações.
SILVERMAN
JÚNIOR (1989) afirma que em princípio o sarcoma de Kaposi não apresenta
sintomatologia mas freqüentemente a doença progride e interfere com a fonação,
alimentação e higiene devido às características dolorosas e hemorrágicas que
surgem.
MANIFESTAÇÕES
ORAIS DE ORIGEM DESCONHECIDA
ESTOMATITES
AFTOSAS RECORRENTES
Em indivíduos
portadores do HIV, parece haver um aumento do aparecimento de estomatites aftosas
recorrentes e estas são mais agressivas, maiores e múltiplas (SILVERMAN JÚNIOR,
1989).
GREENSPAN
et al (1990) descrevem essas lesões como úlceras circunscritas por margens
eritematosas.
PÚRPURAS
Em pacientes
portadores do vírus HIV há ocorrência de púrpuras que são manchas de coloração
vermelho - arroxeadas, vistas freqüentemente na junção palato duro e palato
mole. É importante salientar que essas manchas não desaparecem sob pressão.
(TOMMASI, 1989).
AUMENTO
DAS GLÂNDULAS SALIVARES
O aumento
das glândulas salivares também deve ser considerado como um tipo de manifestação
bucal que ocorre em pacientes portadores do vírus HIV, e principalmente em crianças
onde o aumento crônico da parótida foi observado. (TOMMASI, 1989).
BIOSSEGURANÇA
NO CONSULTÓRIO ODONTOLÓGICO
TOMMASI
(1989) afirma que durante o atendimento a pacientes aidéticos ou portadores
do HIV, se as medidas de proteção forem corretamente adotadas, o risco de contaminação
é praticamente nulo.
A inativação
do HIV pode ser conseguida por vários desinfetantes, mas para obter completo
êxito é necessária a esterilização completa dos instrumentos (GREENSPAN et
al, 1986).
PESSOAL
As luvas
são barreiras protetoras e, de acordo com ROSSA JÚNIOR, MARCANTONIO (1991),
devem sempre ser usadas por toda a equipe e no atendimento a todos os pacientes.
O MINISTÉRIO
DA SAÚDE (1994) lembra que é importante o uso de máscara e que esta cubra
os lábios e narinas confortávelmente e, assim como as luvas, devem ser descartadas
após o atendimento de cada paciente.
De acordo
com ROSSA JÚNIOR, MARCANTONIO (1991) também é necessário o uso de óculos
protetores que, preferencialmente, devem ter algum tipo de proteção lateral.
O MINISTÉRIO
DA SAÚDE (1994) descreve que o gorro também é importante na proteção dos
cabelos contra gotículas de saliva, aerossóis e sangue contaminado.
O avental
também deve ser usado como método de barreira para evitar que as roupas ou se
contaminem (ROSSA JÚNIOR, MARCANTONIO, 1991).
INSTRUMENTOS
Segundo
o MINISTÉRIO DA SAÚDE (1994), todo o instrumental utilizado no atendimento
a pacientes deve ser primeiramente submetido à descontaminação, seguido de lavagem,
enxágüe e esterilização ou desinfecção de acordo com o tipo de material ou instrumental
usado.
Descreve
que para a esterilização do instrumental pode-se usar os seguintes métodos:
Autoclave:
por gravidade ( temperatura de 121*C durante 20 minutos) ou por auto-vácuo (
temperatura de 132*C durante 4 minutos);
Estufa:
temperatura de 160*C durante 120 minutos;
Glutaraldeído
a 2%: imersão durante 10 horas.
Para desinfecção
do material pode-se utilizar:
Hipoclorito
de sódio a 1%: imersão durante 30 minutos;
Álcool
etílico a 70%: imersão durante 30 minutos;
Glutaraldeído
a 2%: imersão durante 30 minutos;
Água
em ebulição durante 15 minutos.
EQUIPAMENTO
ODONTOLÓGICO
SAQUI,
PECORA (s.d.) sugerem maneiras de prevenir e inativar o vírus HIV dentro
do consultório odontológico, a cadeira odontológica deve ser clara com o mínimo
de costuras possível e de preferência com os comandos no pé, a unidade auxiliar
e cuspideira devem ser de cor clara e isenta de rugosidades, as canetas de alta
rotação devem ser autoclaváveis e de preferência com ejetor automático de brocas
e as bancadas, móveis, equipamentos, cadeiras, puxadores e todas as superfícies
devem ser limpas com álcool iodado e/ou álcool 70% durante 1 minuto.
CONCLUSÃO
Os primeiros
casos do HIV foram identificados nos Estados Unidos em 1981.
Estudos
sobre sua etiologia e evolução vêm sendo feitos, mas vacinas ou formas eficazes
de eliminação do vírus não foram ainda descobertas.
Com o desenvolvimento
da epidemia, inúmeras alterações bucais vem sendo consideradas sinais precoces
da doença.
O cirurgião
dentista, como profissional da saúde e integrante de equipes multidisciplinares,
deve estar apto a reconhecer alterações locais e sistêmicas em seus pacientes
portadores do HIV ou doentes de AIDS, sendo também, responsável pela manutenção
das normas de biossegurança.
Isso evidencia
a importância do profissional da área da saúde no controle da AIDS, levando-o
a refletir sobre seu papel na prevenção, diagnóstico e terapia da doença.
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Artigo programado para publicação na revista "STOMATOS", da Universidade Luterana do Brasil.sida
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