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A expressão sociocultural do uso da chupeta – Enfoque epidemiológico
Isabel Cristina G. Leite ( bel@ufjf.br ) - Pós graduada em Odontopediatria pela UFRJ
- Mestra em Saúde Pública pela Escola Nacional de Saúde Pública FIOCRUZ
- Profa. de Odontopediatria e Psicologia Aplicada na UFJF (MG)
Maria Eugenia Tollendal - Professora visitante UFJF coordenadora do Programa Prev-Ação
O hábito de sucção de chupeta por crianças de 3 a 7 anos, além de complicações de ordem estomatológica, carrega em si um complexo envolvimento psicológico e cultural. A abordagem e o método selecionado pelo cirurgião-dentista para eliminação deste hábito nocivo em seu paciente deverá levar em consideração estes diferentes aspectos, buscando, com isto, evitar transferências e, definitivamente, corrigir o vício.
INTRODUÇÃO
O exagerado uso da chupeta, extrapolando os limites toleráveis, leva
a um evidente prejuízo físico e psíquico para a criança usuária. Este malefício
é caracterizado não só pelas sequelas referentes à oclusão, como , especificamente,
é grande o aumento do índice cariogênico, dos problemas periodontais, além
dos aspectos psicológicos envolvidos.   
As disparidades sócio-culturais do uso da chupeta, bem como suas similaridades,
destacam-se no “animismo” e simbolismo
que circunscrevem o próprio “ato cultural”em si.   
O primitivismo deste simbolismo merece destaque no que tange à projeção
e à contextualização do uso da chupeta no espectro sócio-cultural. O condicionamento
ambiental e cultural deste uso pode conduzir a novos riuais substitutivos
ao longo da vida, tanto em seus aspectos públicos quanto privados, ultrapassando
as fronteiras disciplinares de investigação e reflexão teórico-prática. Além
disso, há de se considerar a manipulação econômica em torno do produto, sugerindo
recepções diferentes da população em torno de seu “merchandising”.   
A pesquisa justificou-se pela sedimentação social de
uma verdadeira “cultura da chupeta”, evidenciada pelos múltiplos traços
culturais a serem pesquisados. Destacou-se também que o uso prolongado da
chupeta acarreta evidentes prejuízos para a saúde psicofisiológica de seu
usuário. Este prejuízo é caracterizado não só pelas sequelas ocluso-anátomo-fisiológicas,
como as ligadas especificamente à saúde bucal (cárie, periodontopatias..),
mas também às áreas emocionais e afetivas, quando a chupeta é usada como substitutivo
vicioso das múltiplas carências afetivas e nutricionais.   
A ausência quase total do tema na literatura (nesta abordagem holística)
e o grande número de crianças portadoras deste vício, levam ao interesse pelo
trabalho.   
MATERIAL
E MÉTODO 
 
Trata-se de um estudo transversal, desenvolvido em 3 comunidades, interessando
crianças de 3 a 7 anos. Os dados foram obtidos através de questionário ao
qual foram submetidos os responsáveis, incluindo levantamento sócio-econômico
(ABA-ABIPEME), sendo que este só foi aplicado a uma das populações (brancos),
e indagação sobre o ambiente familiar, hábitos bucais e sociais da criança. 
 
A população alvo foi, portanto, analisada em 3 diferentes aspectos
ou ambientes:   
POPULAÇÃO
BRANCA: 50 crianças de zona urbana (Juiz de Fora - MG)   
POPULAÇÃO
INDÍGENA: 47 crianças do Vale do Mucuri (MG)   
POPULAÇÃO
NEGRA: 43 crianças da Comunidade dos Arturos (Contagem - MG)   
A coleta dos dados foi direta nas populações branca e negra. Problemas
de ordem sanitária e de acesso determinaram coleta de dados indireta na população
indígena, a partir de informações fornecidas por antropólogos que estudam
a área. Houve grande equilíbrio na distribuição por sexos, exceto na comunidade
de negros, aonde apenas 36% dos observados são do sexo masculino.   
REVISÃO
BIBLIOGRÁFICA, RESULTADOS E CONCLUSÕES   
A sucção é um fenômeno diretamente ligado à deglutição, presente nos
primeiros momentos da vida exterior do ser humano, podendo ser provocado pela
introdução do dedo na boca (LANNOY, 1978)15.   
A primeira fase de desenvolvimento psicológico por que passa o homem
é a denominada fase oral3,4,12 na
qual a satisfação de prazeres e a própria subsistência estão ligadas à funcionalidade
do sistema estomatognático, girando em torno da cavidade bucal as funções
de alimentação e reconhecimento do próprio ambiente. TALAFERRO (1989)31
cita o conceito de dupla função
da boca discutido por Freud, na qual esta região presta-se, ao nascimento,
tanto à satisfação sexual como à auto-conservação, embora o lactente a pratique
mesmo quando sua fome fisiológica está saciada. É indiscutível o papel da
amamentação ao peito no desenvolvimento desta fase psicológica5,16,24,
além de ser responsável por um equilíbrio biológico (ganho anticorpos, proteínas,
etc) e crescimento ósseo. Entretanto, em grande parte dos casos o que se percebe
é uma redução drástica do período de amamentação por vários motivos, como
maior conveniência, experiências negativas com amamentação, já experimentadas
ou por razões médicas. Cerca de 41% das mães tomam a decisão de não amamentar
ainda durante a gestação 6 . TALAFERRO (1989)31 comenta
que o uso de mamadeiras com bicos muito abertos não satisfaz
às necessidades de sucção da criança, não exigindo seu esforço para
obtenção do alimento, impelindo-a a outros hábitos de sucção.   
A perpetuação de hábitos de sucção apresenta diferentes reflexos do
ponto de vista oclusal. A maloclusão
pode ser resultado de questões hereditárias e/ou ambientais. Fatores
hereditários são aqueles que são determinados na concepção e só podem ser
considerados por inferências. Já os fatores ambientais são aqueles produzidos
pelo meio, e, assim sendo, podem ser melhor atendidos 1,30 .
   
A oclusão definitiva de um indivíduo não pode ser predita ao nascimento,isso
porque há mudanças de desenvolvimento ontogenético na oclusão (SILMAN,1939)
28.   
Do ponto de vista psicológico, há diferentes correntes de pensamento.
Segundo uma delas, a criança chupa dedos ou chupeta porque necessita exercitar
o mecanismo de sucção que não tenha sido completamente satisfeito no processo
de sucção para obter alimento 17. No entanto, algumas crianças
perpetuam o hábito de sucção, mesmo que lhes seja permitido mamar no seio
materno, tanto quanto lhe pareça apetecer.   
As crianças costumam chupar os punhos ou os dedos em determinados períodos
da infância e começo da meninice, especialmente durante a dentição, embora
não seja essa a única ocasião. Uma criança, pode, por algum tempo, sugar,
voltando depos a fazê-lo mais vigorosamente do que antes. Muitas crianças,
conservam o hábito de chupar dedos durante vários anos. E muitos adultos têm
também hábitos de sugar, morder e por coisas na boca.   
FADIMAN (1988)9 comenta que
a fixação nesta fase pode ser expressa naqueles que mordiscam constantemente,
fumantes, ou os que comem demais,
sendo que a retenção de prazeres na região oral pode ser considerada normal
desde que não seja excessivamente dependente destes hábitos para aliviar ansiedade.
   
O hábito de sucção de chupeta ou dedos normalmente é mais visto
em meninas 14 .   
No hábito de sucção desenvolvimento por crianças há que se buscar uma
conduta multidisciplinar24,29 ,sendo que quando se realizam tratamento
ortopédicos e/ou ortodônticos e psicológicos para eliminação do hábito e correção
das possíveis deformidades resultantes,há maior efetividade no procedimento
e abandono, em menor espaço de tempo23.    
Com certa frequência, observa-se que há substituição da sucção da chupeta
por sucção do dedo, que é ainda mais grave.   
Das deformidades observadas, segundo Estripeaut (1989)8
as mais comuns são: mordida aberta anterior, retrusão da mandíbula, protrusão
da maxila, sobremordida excessiva, vestíbulo-versão de incisivos superiores,
mordidas cruzadas posteriores, palato ogival e deformidades angulares 11. 
 
A persistência de um hábito de sucção está, com frequência, incluído
na história de pacientes com maloclusão classe II de Angle,3,20,26principalmente
caracterizada pela mordida aberta anterior. A prevenção é de suma importância
neste tipo de distúrbio,8,30 já que, reconhecidamente, as maloclusões
no desenvolvimento dentário são as maiores complicações resultantes da sucção
de dedos ou outros objetos 16, e, para correção, inúmeras pesquisas
e técnicas são aconselhadas 13,20,25,32,34,35. Salienta-se a necessidade
de avaliação cefalométrica durante terapia de correção de mordidas abertas
na dentição mista 7.   
A manutenção da chupeta mantém estreita correlação com distúrbios comportamentais,
conforme pode-se avaliar em diversos trabalhos 21,22,27.   
Estudo realizado constatou distúrbios comportamentais e
quase todas as crianças (5-11 anos). O hábito se desenvolvia
tanto em crianças com problemas emocionais como naquelas até então
tidas como psicologicamente normais 18.   
FRIMAN et al (1993)10 observaram que crianças que mantém
o hábito de sucção por longo tempo são menos aceitas socialmente que outras,
estando esteriotipadas como menos inteligentes, alegres, amigas.   
Os hábitos de sucção são reforçados em períodos de intensa ansiedade,
como vivido por crianças no período de ingresso escolar 2. 
 
Alguns autores acreditam que a própria criança deve decidir quando
abandonar o hábito 13,22.   
Segundo ACOSTA et al (1985)1, o hábito de sucção mantido
até 2 anos não requer tratamento. A manutenção a partir de 4 anos, poderá
ser reflexo de um envolvimento emocional exigindo técnicas de condicionamento
de comportamento 19. Um dos reflexos de envolvimento emocional
são os sinais de rebeldia e tendência a desenvolver-se o vício
do fumo 17.   
No presente estudo, o
hábito de sucção de chupeta foi mais comumente visto em meninas brancas, pertencentes
a um nível sócio-econômico médio-baixo. Não foi possível, entretanto, constatar
predileção de um sexo ou outro, embora tenha sido observada esta ligeira prevalência
aumentada entre meninas. Essas crianças, geralmente, foram amamentadas por
um período curto de tempo (em torno de 3 meses). Diferentes motivos foram
dados pela responsável para o desmame precoce, principalmente falta de tempo
e possível má qualidade do leite or elas produzido. Com relação ao seu posicionamento
na constelação familiar, de forma frequente, são filhos mais novos ou únicos,
não obstante, fosse também observado casos de filhos mais velhos com grande
diferença de idade para os demais irmãos. No seu relacionamento social, demonstram-se
alterados, principalmente sendo caracterizados como agressivos, ciumentos
ou, ao contrário, muito retraídos, tímidos. Normalmente, são resistentes quando
submetidos ao exame intrabucal. Em geral, estas crianças têm pai e/ou mãe
fumante(s).   
As crianças da raça negra observadas e que fazem uso da chupeta, têm,
em média, 4,5 anos ( o mais velho tinha 6 anos) e, em geal, apresentam problemas
respiratórios (doenças pulmonares crônico-obstrutivas, SIC)   
Em uma parcela de casos (25% dos leucodermas) estava presente, concomitantemente,
o hábito da onicofagia.   
Segundo relato dos responsáveis, as crianças ficam extremamente agitadas
quando da tentativa de remoção do vício e, ainda segundo os mesmos, utilizam-na
principalmente à noite ou quando irritadiços, servindo, portanto, para tranquilizá-los. 
 
Na comunidade indígena, não foi relatado nenhum caso de sucção de chupeta,
estando as crianças sob direta responsabilidade das mães durante a primeira
infância, e sendo amamentadas ao peito geralmente por longos períodos. 
 
O hábito de sucção de chupeta nitidamente advém da comunidade branca.
Os demais grupos populacionais parecem
aderir a esse “vício cultural” incorporando-o, como a outros hábitos,
em seus costumes primários.   
As conclusões podem ser vistas sob 4 prismas:   
1.sócio-cultural: a cultura
negra e indígena parecem ser, originalmente, desprovidas de hábitos nocivos
de sucção de objetos na infância, ao contrário de crianças brancas, que há
muito, cultivam este hábito;   
2.desequilíbrio estomatognático:
a potencialidade iatrogênicada chupeta é refletida em distúrbios oclusais,
resultando em mordida aberta anterior, protrusão maxilar, mordida
cruzada posterior , além
do aumento do índice de cárie ( quando da associação de açúcar ou medicamentos
açucarados). A manutenção do estímulo neural do movimento de ordenha leva
a alterações foniátricas, expressas em dislalias;   
3.antropológico: o vício
exerce papel substitutivo e saciador de necessidades básicas (nutricionais/
emocionais), liberando a mãe (ou outro responsável) para outras atividades.
Isso não é observado na população indígena, na qual o papel de mãe se sobrepõe
a todos os demais;   
4.psicológico: frequentemente,
os usuários de chupeta apresentam alterações comportamentais.A perpetuação
de um hábito de sucção poderá ser reflexo de um deficiente desenvolvimento
da fase oral, que na idade adulta, poderá vir a ser compensado por outros
vícios, como o fumo . O hábito encontra refúgio em períodos de stress
físico (doenças crônicas, internações) ou mental (ingresso na escola, nascimento
de irmãos, separação dos pais).   
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