Princípios básicos do tratamento endodôntico
Jesus Djalma Pécora ( pecora@forp.usp.br ) - Doutor em Reabilitação Oral pela FORP-USP
- Prof. Titular de Endodontia da FORP-USP
- Editor do Brazilian Dental JournalRicardo Gariba Silva ( gariba@forp.usp.br ) - Prof. Dr. de Endodontia da Disciplina de Endodontia do Dep. de Odontologia Restauradora da FORP-USP.
Conceito
Conjunto de procedimentos de apoio ao tratamento
endodôntico relativos à manutenção da cadeia asséptica,
isolamento absoluto do campo operatório e endodontometria, que agrupadamente
fundamentam a filosofia da terapêutica biológica visando a proservação
da integridade dos tecidos periapicais.
A cavidade oral é uma das áreas do
corpo com flora bacteriana mais variada, sendo que 1 ml de saliva de um indivíduo
normal em bom estado de saúde, contém aproximadamente 750 milhões
de microrganismos. Algumas espécies de bactérias produzem quase
cem gerações em um período de 24 horas. Há casos
em que a polpa dental esta isenta de microrganismos e há ocasiões
em que ela se encontra altamente contaminada por eles.
O profissional deve sempre estar consciente e meditar
sobre o aforisma. O profissional não é responsável pelo
que encontra em seu campo de trabalho, mas pelo que no-lo introduz.
Assim, durante todo o tratamento endodôntico,
devem ser tomadas medidas que impeçam ou minimizem a presença
de microrganismos no campo de trabalho durante o ato operatório.
Revisão de Conceitos
Esterilização: É
a destruição de todos os microrganismos, sejam patogênicos
ou não, de todas as formas de vida (vegetativa e esporulada). É
um processo absoluto de controle microbiano.
Desinfecção: É
a eliminção da infecciosidade potencial de um material, não
implicando necessariamente na destruição de todos os organismos
viáveis. É um processo relativo de controle microbiano. É
um termo aplicado em relação à superfícies inanimadas
(instrumentos, móveis, utensílios, aparelhos e locais) e a substâncias
inanimadas (excretos).
Anti-Sepsia: É o controle microbiano
de uma superfície corporal. A substância utilizada não deve
injuriar células e demais componentes teciduais.
Assepsia: Conjunto de procedimentos e atitudes
que visam a impedir a penetração de microrganismos em um local
em que não existam, bem como evitar que outros sejam levados para uma
àrea já contaminada.
Séptico: Contaminado por micorganismos.
Asséptico: Isento de microrganismos.
Sufixos utilizados:
"CIDA" Refere-se à ação
irreversível, letal, destruido.
"STATICO" Refere-se a ao reversível, inibição
de crescimento, paralização de multiplicação.
|
Fatores que interferem na ação
de agentes microbianos
Vários fatores interferem no complexo esterilização-desinfecção,
dentre os quais podemos citar:
Tipos de microrganismos: A
célula bacteriana tem o citoplasma revestido por envoltórios que
variam tanto na composição química quanto no seu número,
exemplo: espóros apresentam maior número de envoltórios,
tendo alguns, composição químicas que dificulta a permeabilidade.
São mais resistentes açao dos agentes físicos e químicos
que as formas vegetativas, (células que deram orígem aos espóros).
Tempo de exposição: O
agente antimicrobiano (físico ou químico) levará maior
tempo para se difundir através dos envoltórios microbianos, como
também para agir no citoplasma de maneira efetiva.
Número de microrganismos: Milhares
de células devem ser destruidas.
Temperatura: Deve ser seguida rigidamente
no tempo preconizado. Quando se trata de agentes químicos, um aumento
de 10 graus centígrados na temperatua pode duplicar ou triplicar a eficiência
do composto.
pH: Alguns compostos são mais ativos
em meio ácido, enquanto outros o são em meio básico.
Concentração: A atividade
antimicrobiana de uma substância química depende da diluição
empregada e calculada em função do tempo, tipo de microrganismo
toxicidade ao homem e animais.
Presença de matéria orgânica:
A matéria orgânica pode combinar-se com a solução
química, dando origem a um produto não microbicida e formar um
precipitado que desvie a possível combinação da solução
usada com os micoroganismos; acumular-se sobre a superfície microbiana,
formando uma barreira que evita o contato direto entre a solução
e a célula microbiana. A limpeza com remoção de matéria
orgânica deve ser feita antes da aplicação do agente antimicrobiano.
Mecanismos de ação
dos agentes antimicrobianos
- Coagulação de proteínas
- Rompimento da membrana ou parede celular
- Remoção dos agrupamentos sulfidrilas
livres
- Muitas das enzimas essenciais às células
microbiana possuem esse grupamento e só podem agir se estes grupamentos
permanecerem livres no estado reduzido.
- Antagonismo químico
- Competição com o substrato natural
das enzimas específicas, deslocando-o e impedindo que ocorra o processamento
das reações usuais.
Tipos de agentes antimicrobianos
Agentes físicos:
- Temperatura: Calor e Congelamento
- Radiações:
Ultravioleta e Raio X
Agentes mecânicos:
- Ondas sônicas e ultrasônicas
- Filtração
Agente químicos:
Gases, antibióticos
e quimioterápicos
Agentes antimicrobianos mais
utilizados em endodontia
Agentes Físicos: O agente físico
mais utilizado é o calor, que age por fusão de lipideos membranosos
e principalmente desnaturação proteica (coagulação).
Calor: Calor úmido
água em ebulição. serve
apenas para desinfecção. Não destrói vegetativos
e esporulados e destrói por corrosão a lámina cortante
dos instrumentos.
vapor de água sob pressão: AUTOCLAVE.
E o calor úmido do vapor e não a pressão que destrói
os instrumentos. É eficiente contra todos os microganismos, sendo um
método absoluto de controle microbiano. Atualmente têm-se utilizado
panela de pressão em substituição à autoclave,
já que o princípio é o mesmo.
Calor seco: Ar quente (calor seco 160/170 graus
celcius). São usados fornos ou estufas, sendo um método absoluto
de controle microbiano. Pelo seu pouco poder de penetração,
o calor seco exige maior tempo para desnaturar as proteínas celulares,
porque a coagulação das proteínas é catalisada
pela umidade. Nesse processo. também é imprenscindível
a limpeza prévia. A relação tempo temperatura de acordo
com a American Dental Association é a seguinte:
Temperaturas
|
Tempo
|
170°C ou 340°F
|
60 minutos
|
160°C ou 320°F
|
120 minutos
|
150°C ou 300°F
|
150 minutos
|
0140°C ou 285°F
|
180 minutos
|
120°C ou 250°F
|
360 minutos
|
O tempo exigido só deverá ser computado
a partir do instante em que a temperatura for alcançada.
Métodos Complementares
de esterilização rápida ou reesterilização
Durante todo o procedimento operatório,
vez por outra o profissional se vê obrigado a reutilizar um instrumento.
Assim, com a finalidade de não quebrar a cadeia asséptica, o profissional
procede usando aparelhos denominados esterilizadores rápidos.
Micro esterilizador ORCA II: Usado para
esterilizar instrumentos metálicos e pontas de papel absorvente em um
tempo de 5 a 12 segundos. Atinge a temperatura de 200o C.
Micro esterilizador de CANDLE: Usado para
reesterilizar instrumentos metálicos e pontas de papel absorventes em
5 segundos. Atinge a temperatura de 250oC.
Agentes Químicos
São usados para o contrôle microbiano
de materiais termosensíveis, na assepsia do campo operatório e
na desinfecção da sala clínica.
Requisitos de um agente químico ideal:
Toxicidade para todos os microrganismos Inocuidade para o homem e animais. Estabilidade
Homogeneidade Carência de afinidade para a matéria orgânica
Não ser corrosívo Não manchar Ser desodorizante.
Existem numerosas soluções químicas
usadas para se fazer controle microbiano. Eis algumas de interesse endodôntico.
Compostos fenólicos: O fenol exerce efeito
detergente sobre os lipídeos e é um eficaz desnaturador de proteínas.
Alcoois: O alcool absoluto (100%) é
um desinfetante precário. Em sua ação, implica a participação
da água. O alcool a 70% iodado a 2% é usado eficientemente na
antissepsia das mãos do profissional após a limpeza. É
comum também o uso do alcool 70% na desinfecção de cones
de guta percha, seringa triplice, pontas rotatórias, etc.
Sais de metais pesados: Em Endodontia a soluação
de thimerosol é usada antes da aplicação da anestesia
na antissepsia do campo operatório, e após a aplicação
do isolamento absoluto. Deve-se usar a tintura incolor, para se evitar colorações
do elemento dental.
Compostos quaternátios de amônio:
Os detergentes dissolvem lipideos e desnaturam proteínas. Os sais quaternários
de amônio (cloretos e brometos) são usados no preparo de soluções,
dando origem a vários compostos, quando dissolvidos em álcool
ou água.
Agentes oxidantes: Dentre vários, temos
o hipoclorito de sódio e as soluções iodadas. Os agentes
oxidantes combinam-se de forma irreverssível com as proteínas
atuando provavelmente pela oxidação dos grupamentos SH e SS
das enzimas e dos compostos das membranas.
Instruções para
uso das soluções químicas
- Limpeza pérvia dos instrumentos
- Os instrumentos devem estar totalmente submersos
na solução
- Observar o tempo recomendado pelo fabricante
- Sempre remover os instrumentos com o auxílio
de uma pinça
- Renovar as soluções frequentemente,
mesmo não contaminadas.
- Colocar os instrumentos sobre bandejas ou campos
esterilizados.
- Sempre tampar os recipientes para que seja
evitada a evaporação da solução ou sua contaminação
por poeiras e microrganismos do ar.
- Colocar um anti corrosivo na solução,
se ela não o contiver.
- Todo instrumento submetido a ação
de uma solução química deve ser lavado com soro fisiológico
ou alcool antes do uso.
Gases: Através dos gases é
efetuado o controle microbiano em certos materiais que sofreriam danos pelo
calor seco ou úmido, e soluções químicas.
Formaldeído: As reações
com formaldeídos são em parte reversíveis, é um
gas incolor, de odor picante e irritante à pele e à mucosa. As
soluções comerciais (de 30 e 40 %) são conhecidas como
formalina e formol. Os seus efeitos desegradáveis são: não
penetra em substncias porosas, persiste em resíduo irritante que não
é prontamente eliminiado, lentidão no processo de despolimerização
do formaldeído e necessidade de umidade para ser ativo na superfície
bacteriana.
Isolamento do Campo Operatório: O
isolamento do campo operatório consiste numa complementação
das medidas que visam a cirurgia asséptica, proteger os tecidos circunvisinhos
e resguardar a integridade física do paciente.
Instrumental necessário:
- Arco de Ostby
- Lençol de borracha
- Pinça porta-grampo
- Perfurador de Ainsworth
- Grampos para isolamento catálog SS WHITE nros. 201, 205, 209, 211
e 212 com aletas.
- Grampos para isolamento catálogo SS WHITE nros. 00, 0, 1A, 8A, 8AD,
14 E 14A.
- Sugador de saliva
- Fio dental
Técnica de aplicação do
isolamento absoluto
O dente a ser isolado deve ser inspecionado, feita
a profilaxia, exame do espaço interproximal com auxílio de fio
dental. A profilaxia realizada no dente a ser isolado deve ser complementada
com a antissepsia da região, que pode ser feita com o uso de tintura
de thimerosol.
Feito isso, deve-se proceder à seleção
do grampo a ser utilizado. Selecionado o grampo, passa-se à montágem
do lençol de borracha no arco. A seguir, leva-se o conjunto arco-lençol
em posição e faz-se a demarcação do ponto de perfuração.
Perfura-se no local demarcado, lubrifica-se com vaselina as bordas do orifício
e coloca-se o grampo no orifício lubrificado.
O passo seguinte consiste na instalação
do conjunto ao dente. Para tal, abre-se o grampo com o auxílio de uma
pinça porta grampo, posiciona-se o dique por pressão do dedo indicador
na aco do grampo, levando-se o grampo em posiçã até este
alcançar a cervical do dente. Feito isso, solta-se o grampo da pinça
e com o auxílio de um instrumento de ponta romba alivia-se a borracha
das aletas do grampo e, finalmente, acomoda-se o lençol nos espaços
interproximais com um fio dental.
Após a instalaçã do conjunto,
faz-se a embrocação do campo com tintura de thimerosol (mertiolate).
Procede-se então a intervenção no elemento dental, que
só deve ser iniciada após a colocação do isolamento
absoluto.
Assim, o dique de borracha é usado com os
seguintes propósitos:
- Facilitar e aumentar a efeciência dos
procedimentos clínicos
- Proteger o paciente contra a deglutição
acidental de instrumentos endodônticos ou soluções químicas.
- Minimizar a exposição à
infecção cruzada.
- Manter o campo seco
- Proporcionar a antissepsia do campo operatório
- Impedir a contaminação pela saliva
- Proporcionar melhor visão
- Proteger o dente do contato da língua
e da bochecha.
As vezes o profissional se depara com situações
em que há a necessidade da remoção do isolamento absoluto
para se obter uma melhor orientação da direção das
raízes e onde estas entram no alvéolo, uma vez que a visualização
das raízes é uma importante ajuda na localização
de canais que por ventura estejam difíceis de se encontrar.
O dente a ser isolado, às vezes deve receber
um tratamento prévio a aplicação do isolamento, que tem
por finalidade:
Obter uma quantidade adequada de estrutura
dental que possa suportar o grampo a ser usado durante o isolamento absoluto.
Obtenção de um espaço
na câmara pulpar capaz de confinar soluções irrigantes
e medicamentos para evitar a contaminação externa durante sessões
Para se alcançar estes objetivos, em alguns
casos, é necessário reconstruir todo o dente ou parte dele com
materiais restauradores, afim de tornar possível a operação
do isolamento.
Finalizando, em casos de tratamento de dentes com
polpa viva, o isolamento se faz antes de qualquer interveção no
elemento dental e, em casos de polpa morta, o isolamento pode ser feito após
a cirurgia de acesso, mas com a ressalva de que a possibilidade de não
isolamento de um elemento dental contra-indicar o seu tratamento endodôntico.
Referências Bibliográficas
-
DIAS, A. et all.
Manual de endodontia. Rio de Janeiro, Guamabara-Koogan, 1980. 413p.
-
FRANK, A.L. et
all. Clinical and surgical endodontics: concepts in pratice. Philadelphia,
J.B. Lippincott, 1983 229p.
-
GROSSMAN, L. I.
Endodontia prática 10 ed Rio de Janeiro, Guanabara-Koogan, 1983,
425p.
-
PAIVA, J. G. &
ALVARES, S. Endodontia, São Paulo, Atheneu, 1978, 335p.
-
ROMANI, N. F. et
all. Atlas de técnica endodôntica, São Paulo, Panamed,
1986, 294p.
-
SHOJI, Y. Endodoncia
Sistematica, Berlin Quintessence, 1974, 126
|